No dia 5 de julho, a Vereadora Psicóloga Tanise Sabino representou a Câmara de Vereadores na Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do sul para a discussão da Política Antimanicomial, em especial a resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que prevê o fechamento de instituições prisionais específicas para pessoas com doenças mentais e também proíbe o isolamento compulsório.
O proponente da audiência foi o Deputado Estadual Sabino, que ao apresentar o tema destacou: “a ideia é ouvir aqueles profissionais que trabalham direta ou indiretamente com a questão e promover o debate. Muitas entidades médicas estão contestando a medida frente a possibilidade de fechamento dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico existentes no Brasil, tendo em vista que nestes locais estão abrigadas pessoas com transtornos mentais que cometeram crimes. O tema é complexo e ao mesmo tempo de suma importância, merecendo ser apreciado nessa comissão, com a presença de todos os entes envolvidos, oportunizando também a participação da população em geral. A Assembleia Legislativa, conforme previsão constitucional, tem missão de legislar e fiscalizar, nesse sentido se justifica a necessidade de promover esse debate através de audiência pública”.
“Estamos falando de vidas e toda esta discussão tem que envolver os profissionais da saúde que lidam com isso”, afirmou a Vereadora Psicóloga Tanise Sabino em sua fala inicial sobre o tema. Referiu ainda que: “a resolução do CNJ não é nenhuma novidade, pois está em consonância com a Lei da Reforma Psiquiátrica ou a lei Antimanicomial de 2001 (Lei nº 10.216/2001), e isso já estava previsto há mais de 20 anos, o fechamento destes hospitais de custódias e tratamento psiquiátricos. Então, proponho olhar para esta questão como uma oportunidade de estruturar a rede de atenção psicossocial”.
Alessandra Cunha, do Ministério Público Estadual, ressaltou o quanto a resolução parece temerária, uma vez que o sistema público de saúde, e mesmo prisional, não consegue dar conta nem da atual demanda: “acredito que o desencarceramento não trará os resultados esperados, muito pelo contrário: vai sobrecarregar a rede e comprometer mais ainda os serviços”.
A Dra. Cintia Luzatto, dirigente do Núcleo de Defesa em Execução Penal da Defensoria Pública do Rio grande do Sul, trouxe a sua preocupação com o tema, visto que hoje, em nosso Estado, existe grande quantidade de detentos com doença mental aguardando perícia para o devido encaminhamento, o que compromete ainda mais a implementação da resolução do CNJ.
O Presidente do Conselho Regional de Medicina do RS (CREMERS), Carlos Sparta, expressou sua total contrariedade com a resolução do CNJ e foi enfático: “a Lei Antimanicomial precisa ser revista. E mais, a Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere um investimento de 6% do orçamento em Saúde e no Brasil é inferior a 1%”. O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (SIMERS), endossou esta posição e seu representante, Dr. Rogério Cardoso, declarou: “esta lei é desumana, não podemos deixar uma doente mental desassistido. Eles precisam de tratamento”.
O Presidente da Associação Médica do RS (AMRIGS), Dr. Gerson Junqueira Jr., parabenizou o tema da Audiência Pública e declarou o quanto o tema da Saúde Mental é caro para a AMRIGS, uma vez que constitui uma necessidade premente da sociedade: “nos preocupa sobre maneira esta resolução do CNJ, pois nos parece um retrocesso, além de comprometer ainda mais o atendimento psicossocial que já é insuficiente. Estes pacientes oriundos do sistema penal requerem um atendimento com um nível de complexidade muito maior. São pacientes com um perfil bem peculiar”.
“Acredito que estamos aqui diante de uma questão estrutural, um estigma que envolve a saúde mental. E acredito que esta resolução nos traz uma chance de analisarmos se somos parte do problema ou da solução. Precisamos dar visibilidade aos invisíveis. Vejo a questão da Lei da Política Antimanicomial como uma oportunidade, como disse a Vereadora Tanise Sabino, de olhar para questão e buscar segurança para a nossa sociedade”, declarou Mariana Diefenthaler, da Comissão de Saúde da OAB.
A representante do Conselho de Psicologia do RS (CRPRS), Mainar Borba Leite, trouxe um contraponto para a reunião, declarando o apoio da instituição a resolução do CNJ, contudo, deu força a declaração da representante da OAB, ao relatar que em sua avaliação, o maior obstáculo para a implementação da resolução do CNJ não é a precariedade da rede de saúde, mas o preconceito. “Se formos esperar pela superação do preconceito que pesa sobre quem carrega o duplo estigma de louco e criminoso, vamos levar mais 20 anos para instituir uma medida que deveria estar valendo desde 2000”, apontou.
Rita Leonardi, do SUSEPE, endossou as opiniões expressas pelo MPE/RS e pela Vereadora Tanise Sabino, lembrando que é preciso fortalecer a rede de atenção psicossocial, lembrando que: “precisamos também ter o cuidado com a saúde mental dos aprisionados, daqueles que já estão no sistema prisional e pensar em dimensionar e fortalecer o sistema com base nas reais necessidades”, declarou.
O representante da Associação de Psiquiatria do RS e também Psiquiatra do Instituto Penal Forense Doutor Maurício Cardoso (IPF), o Dr. Pedro Zoratto, também expressou, a partir de sua experiência, a contrariedade com a resolução, destacando que ela traz vários problemas, inclusive quanto a terminologia: “ela não define, por exemplo, o que é um cidadão com deficiências psicossociais”. Zoratto criticou o fato da resolução ter sido elaborada sem a participação de profissionais da área médica, ou preocupação com sua a aplicabilidade. A Lei Antimanicomial em si tem mais de 20 anos e traz pontos positivos como o tratamento humanizado e enfoque no tratamento ambulatorial: “isto é ótimo! Mas o que vemos na realidade do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF) é a dificuldade de reinserção dos pacientes na sociedade”, salientou Zoratto, lembrando também a questão econômica: “em média, os pacientes saem do IPF depois de 4 anos e muitas vezes precisam ser custeados pelo Estado, por tempo indeterminado e prolongado em clínicas particulares, pois existem pouquíssimos residenciais terapêuticos ”. E continuou: “Desde 1966 o IPF conta com a Alta Progressiva, que libera pacientes para o convívio social, quando possível, antes do término da Medida de Segurança, observando a sua interação na comunidade”.
Mara Lago, da Coordenadoria de Saúde Mental da Secretaria Municipal da Saúde, esteve presente na audiência pública, representando o Secretário da Saúde e referiu que: “temos uma preocupação em relação à eventual oneração da rede básica, que não teria estrutura para oferecer atenção dirigida a estes transtornos mentais, principalmente por longos períodos, fazendo com que pacientes e familiares tenham dificuldade na busca pelo atendimento e, consequentemente, risco aumentado de atos violentos ou reincidência de crimes por parte de pacientes sem tratamento adequado”.
A Audiência Pública foi uma instância muito valiosa para a discussão do tema que deve seguir em debate. Uma das propostas de encaminhamentos da audiência, feita por Maria Diefenthaler (OAB), é a criação de um Observatório Interinstitucional em Saúde Mental para acompanhar a implantação da resolução no Rio Grande do Sul.